O modelo jurídico da multipropriedade representa a reinvenção de comportamentos tradicionais relacionados ao ter e ao possuir


Por Fernanda Muraro Bonatto e Fábio Machado Baldissera


A multipropriedade, também conhecida como propriedade compartilhada, time-sharing, propriedade fracionada ou mesmo como fractional ownership, não chega a ser uma novidade no mercado imobiliário e hoteleiro brasileiro.


No Brasil, os primeiros empreendimentos nesse formato remontam aos anos 80, ainda no século passado, situados em zonas turísticas, geralmente próximos ao litoral, pois sua finalidade era (e ainda é) permitir ao multiproprietário o uso de bens imóveis durante apenas algumas semanas ao ano, para períodos de férias e lazer.


O grande atrativo para os adquirentes de empreendimentos estruturados dessa forma era a possibilidade de desfrutar de um imóvel no litoral, sem ter de arcar com o valor integral do bem e nem com os custos integrais relativos à manutenção e conservação do imóvel, pois tais despesas eram rateadas com os demais proprietários.


Contudo, mesmo constituindo um modelo consagrado pela prática imobiliária em certas partes do país (o interior de Goiás e de São Paulo abrigam empreendimentos dessa natureza há décadas), é recente a regulamentação legal da multipropriedade, pois somente a partir de dezembro de 2018, com a edição da Lei n. 13.777, é que essa modalidade foi introduzida de forma expressa na legislação brasileira, trazendo a necessária segurança jurídica e estabilidade para o modelo de negócio.


A Lei n. 13.777/18 trouxe um novo tipo de condomínio no nosso ordenamento, o chamado “condomínio em multipropriedade”, bem como fez alterações na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) permitindo que o registro de imóveis possa abrir matrículas para cada fração de tempo de titularidade de cada multiproprietário. Dessa forma, a fração de tempo adquirida constitui uma propriedade imobiliária, que pode ser vendida, doada, dada em garantia, objeto de sucessão e partilha em caso de separação ou divórcio.  Ou seja, a multipropriedade alcançou um status de direito real, plenamente protegido pela legislação pátria.


Portanto, o cerne da multipropriedade, agora com a segurança de legislação específica, está no compartilhamento da propriedade por uma pluralidade de proprietários, aos quais são atribuídos certos períodos de uso – frações de tempo - correspondentes à sua fração de propriedade no bem. A ideia é que todos os multiproprietários usem e desfrutem do bem, mas cada um na sua vez, sempre de acordo com condições pré-estabelecidas nos contratos de compra e venda.


Ainda, é importante ressaltar que o processo de venda da multipropriedade deve obedecer a um conjunto de regras que visam proteger e informar o consumidor/adquirente a respeito das características do produto imobiliário, estando submetido ao Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Condomínios e Incorporações (Lei nº 4.591/64).


Não restam dúvidas de que a Lei nº 13.777/18 trouxe um horizonte de possibilidades e negócios. Segundo estudo mercadológico recente (acessível em: http://www.caiocalfat.com/cdmb ), o mercado de multipropriedade no Brasil alcançou a marca de 128 empreendimentos em 2021, com crescimento de 17% em relação a 2020, sendo que desses 128 empreendimentos: 57 encontram-se em operação, 54 em construção e 17 em fase de lançamento. A região nordeste lidera o ranking de número de empreendimentos em multipropriedade (38 no total), seguida da região sudeste com 32 empreendimentos e da região sul com 31 empreendimentos.


O modelo jurídico da multipropriedade representa a reinvenção de comportamentos tradicionais relacionados ao ter e ao possuir: a posse e propriedade exclusivas começam a abrir espaço para o compartilhamento de bens, serviços e produtos, a fim de buscar o máximo proveito e eficiência da propriedade imobiliária, sem que se tornem ociosos ou subutilizados.



Fonte: Exame.