Verdade seja dita: o mercado imobiliário é tradicional e importante para o nosso PIB, mas, historicamente, não é o melhor benchmark para quem pensa em inovação. Porém, como todos os mercados consolidados e propulsores de desenvolvimento, era necessário iniciar e acelerar novas formas de viver e de morar. Se na pré-pandemia havia iniciativas isoladas para criar alternativas e reinventar modelos, agora vemos uma onda pulsante e definitiva de novas tecnologias, pensamentos e escolhas em toda a cadeia imobiliária: da incorporação à gestão da vida em comum.
O principal motivo? A casa virou, há 18 meses, o centro da vida. Da noite para o dia, além de moradia, o lar tornou-se escritório, escola, academia e única chance de lazer. O bairro e o comércio local também ganharam relevância. Observou-se um aumento exponencial, por exemplo, na busca por bicicletários nos mais de três mil condomínios administrados pela Lello Condomínios, onde moram mais de um milhão de pessoas. Resolver a vida a pé, ser amigo do vizinho e descobrir os tesouros do bairro se tornaram hábitos valiosos e geradores de felicidade para as pessoas.
A formação de comunidades com a tecnologia como plataforma fez, e continuará fazendo, a diferença na forma de viver e morar, e o trabalho fora do escritório é uma tendência determinante para a reformulação de mercados inteiros, como o da moradia, do turismo e do varejo.
Mobilidade urbana, felicidade e qualidade de vida domiciliar tornaram-se questões de crescente importância para quem mora na cidade, e isso impacta profundamente o mercado imobiliário, que se ajusta para atender às novas necessidades dos consumidores.
Estamos em um tempo de profunda transformação de comportamento e estilo de vida, como as gerações vivas nunca viram acontecer. E as marcas estão tentando entender este “Zeitgeist”, esforçando-se para estarem cada vez mais perto dos consumidores, construindo o principal atributo de relacionamento pós-pandêmico: a confiança.
Hoje, ter relação de prestação de serviços continuados com pessoas é ouro. Isso significa que bancos, administradoras de condomínios e imóveis, entre outros serviços, devem ter um canal aberto para conversar com as pessoas e construir relacionamentos sólidos, baseados em confiança e reciprocidade. Esta é a busca de cem entre cem prestadores de serviço e consumo, que, aliada a uma boa governança de dados, permite a criação de serviços tão personalizados que melhoram muito a entrega para o consumidor e as margens das empresas.
O mercado imobiliário constatou isso e canalizou um boom de investimentos para viabilizar e sofisticar essa relação. Fusões, aquisições, movimentos que buscam encurtar espaços entre as pessoas e as marcas. Já se fala que está ocorrendo uma “fintechização do mercado”, trazendo mais flexibilidade para o segmento. Exemplo recente disso é a fusão do unicórnio brasileiro Loft com a fintech CredPago, logo depois da proptech captar US$ 425 milhões em uma rodada da Série D.
Quer mais exemplos? O Quinto Andar anunciou a compra da plataforma de crédito Atta Franchising, sendo que há apenas dois meses levantou US$ 300 milhões em uma rodada que o transformou na segunda startup mais valiosa do Brasil, valendo US$ 4 bilhões. Isso sem falar na parceria da proptech Yuca com a Blackbird. Estes são sinais claros de que o mercado financeiro passou a enxergar o mercado imobiliário como asset de investimento e como um potencial transformador da forma como as pessoas moram.
Impulsionada pela abundância disponível em investimentos e pelas startups, essa modernização do mercado imobiliário — tanto na forma de construir os empreendimentos como na maneira de transacioná-los e administrá-los — pode acelerar a internet das coisas, melhorar o acesso ao crédito, desburocratizar processos para os consumidores e, de fato, transformar a vida das pessoas.
Segundo o estudo da ACE e Terracotta Ventures, já são mais de 830 startups na área de edificação (construtechs), gestão de propriedades (proptechs) e administração da vida em comum (condotechs). Esse grande volume se deve tanto pela demanda dos consumidores e de empresas maiores consolidadas, quanto pelo interesse crescente dos investidores em propriedades.
De olho nessa tendência, empresas também mobilizam recursos para inovação. O Grupo Lello, por exemplo, lançou um laboratório para prototipar novas soluções em moradia nas cidades. Estão acontecendo agora projetos de formação de comunidades ancoradas a uma plataforma digital própria, a prototipação de uma comunidade sustentável em frentes como lixo, água e energia, além de desenhos estruturados dos novos códigos de moradia por grupos de antropólogos e cientistas de dados.
Escolher uma casa e morar nela é uma atividade que tem que trazer felicidade para a vida das pessoas de todas as idades e faixas de renda. Entender e viabilizar isso é o segredo de eternizar uma marca de moradia na cabeça e no coração do consumidor.
Novo morar
Vale dizer que o fenômeno do “novo morar” não é exclusivamente brasileiro. A pandemia levou muitas cidades a repensarem seus desenhos, conforme mais pessoas ficam restritas a seus bairros e bairros vizinhos. Isso é chamado de “modelo hiperlocal”, e exemplos interessantes estão sendo colocados à prova em todo o mundo, como em Melbourne, Milão e Paris.
O conceito foi criado pelo pesquisador Carlos Moreno, da Universidade de Sorbonne, baseado no trabalho da teórica canadense Jane Jacobs, que pensou que os bairros não se tratam apenas de prédios, mas de redes sociais também. Quanto mais incentivo à população a resolver o que precisa no próprio bairro, maior o sentimento de pertencimento e de orgulho local — ou, como chamam os urbanistas, “amour des lieux”.
Fonte: Exame.
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