Nem a beleza do prédio tombado no centro do Rio de Janeiro, nem a localização, a poucos passos da Lapa, fazem do Hotel Monte Alegre, na Rua Riachuelo, um lugar disputado por turistas. Longe disso. O silêncio no saguão denuncia: hoje, o estabelecimento, de 166 quartos, tem uma média de somente 30% de ocupação. Com a baixa procura, agravada na pandemia, o herdeiro do Monte Alegre, Carlos Lopez, quer se desfazer do negócio centenário que foi do seu avô, espanhol. Mas ele admite que, dificilmente, um investidor pegaria o conjunto com dois prédios para mantê-lo no mesmo ramo, que, no Centro, sofre com o esvaziamento da região.


O mercado imobiliário calcula que hoje no Centro há pelo menos 15 hotéis à venda, muitos com a corda no pescoço pelas dívidas. Uma tábua de salvação que se apresenta para esses espaços, alguns já fechados, é o Reviver Centro: o programa incentiva a reconversão de edifícios comerciais em residenciais em troca de benefícios construtivos em endereços nobres da cidade, como na Zona Sul. Na última quarta, a prefeitura concedeu o primeiro licenciamento do tipo a um hotel da região — o Rio’s Nice, também na Riachuelo, fechado há alguns anos. Ele será transformado num edifício misto, com pavimento comercial, sobreloja e mais 11 andares de apartamentos (num total 115), além de cobertura de uso comum.


Três hotéis com projeto


Outros dois hotéis estão com pedidos de retrofit em análise dentro do Reviver, de acordo com a Secretaria municipal de Planejamento Urbano: o Atlântico Tower, que funciona na Rua Visconde de Inhaúma com Avenida Rio Branco, e o Hotel Castelo, fechado, na Rua do Lavradio. Juntos, os três projetos somam 376 apartamentos.


— Investidores e fundos imobiliários estão à procura de imóveis no Centro que possam converter para residencial, não só de olho no lucro do próprio empreendimento, mas na contrapartida do Reviver — afirma Claudio Castro, diretor da Sérgio Castro Imóveis, que acaba de fechar a venda do Hotel Aymoré, na Cruz Vermelha, para transformação em residencial.


No caso do Atlântico Tower, a decisão de fazer a mudança foi do Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário, dono do prédio:


— O setor (imobiliário) no último ano vendeu quase duas mil unidades entre Centro e Porto para clientes que estão em bairros menos seguros ou em locais com menos infraestrutura. E ainda há uma demanda a ser atendida. O Centro tem a vantagem de ser uma região muito bem servida de transporte e infraestrutura — ressalta Jomar Monneratt, gestor do fundo.


Pelos dados da Riotur, baseados no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), do Ministério do Turismo, há 44 hotéis no Centro, sendo que oito encerraram as atividades nos dois últimos anos, durante a pandemia.


Vice-presidente do Hotéis Rio e dono de uma rede no Centro, Ronnie Arosa diz que o número total de fechados, incluindo os vazios desde antes do coronavírus, é maior, de cerca de 15. Ele, que herdou três hotéis do pai, também espanhol, conta que muitos abertos estão em dificuldades pela falta, principalmente, do turismo de negócios. As diárias estão em queda, custando em média R$ 220 nos melhores, agravando o quadro.


— A demora de certas empresas grandes em voltar do home office faz com que a hotelaria do Centro seja a mais afetada na cidade na pandemia, porque o corporativo era a grande fatia da nossa ocupação — analisa Arosa, sendo que um dos seus hotéis, na Avenida Henrique Valadares, tem a vantagem de hospedar equipes de empresas offshore.


Entre os que resistem, mas estão à venda, há o Fênix, na Rua do Senado, e o Americano, na Joaquim Silva. O Monte Alegre, sem grandes contratos com empresas, segue funcionando com apenas 15 funcionários, que cuidam de dois prédios: um deles só é aberto em datas de maior demanda.


— Pela estrutura, com manutenção em dia e móveis em perfeito estado, o hotel valeria entre R$ 40 e R$ 60 milhões. Mas hoje o mercado hoteleiro está em baixa — diz Lopez, que toca o hotel com a irmã desde o falecimento do pai, Manuel, por causa da Covid.


Washington Fajardo, secretário municipal de Planejamento Urbano, ressalta que o Reviver não oferece benefícios só para hotéis, mas para qualquer edifício que possa ser convertido, e que os empreendimentos podem funcionar de forma mista:


— Os hotéis podem ser convertidos parcialmente, continuando com hóspedes em uma parte, e tendo gente morando em outra. Assim como pode haver escritórios e moradias.


No Belga Hotel, na Rua dos Andradas, fechado na pandemia, proprietários têm planos de transformar o prédio, dos anos 20, em coliving, tendência de moradia compartilhada. Já Sueli Ciaravolo, uma das herdeiras do Hotel Paulistano, com mais de cem anos, na Visconde do Rio Branco, não vê a hora de repassar o imóvel, que chegou a ser invadido e está em precárias condições. Com cinco andares e 40 quartos, ele não funciona como hotel há dez anos e está à venda pela bagatela de R$ 1,2 milhão.


— Ele tem um terraço com uma vista para a cidade e uma bela escada de ferro em forma de caracol — conta Sueli. — Daria, sim, um residencial, porque já tem quartos prontos, muitos com banheiros.


Atrativos para mudar de rumo


O Reviver Centro foi sancionado em julho de 2021 e, desde então, contabiliza 15 pedidos de licenças para a criação de moradias — quatro são para novas construções e 11 para conversões de imóveis existentes, incluindo três hotéis. Sete autorizações foram emitidas até agora, sendo uma para o Rio’s Nice. Os projetos em trâmite somam um total de 1.719 unidades residenciais, número que já ultrapassa as 1.472 licenciadas antes da lei, nos últimos dez anos.


Entre os benefícios oferecidos pela legislação, estão a suspensão de dívida ativa de IPTU e da Taxa de Coleta de Lixo para os empreendimentos novos ou de retrofit, além de isenção do imposto durante a obra e desconto a partir da entrega dos apartamentos. Já o instrumento Operação Interligada, que enche os olhos de investidores, estabelece que quem erguer ou converter imóveis no Centro poderá, mediante pagamento de contrapartida ao município, fazer construções com mais pavimentos no Leme, em Copacabana, em Ipanema e em áreas nobres da Zona Norte, como na Grande Tijuca.


Outra vantagem é a permissão para o aproveitamento das coberturas para usos como mirante, restaurante ou área de lazer, podendo ganhar o acréscimo de um pavimento nesses casos.


O Atlântico Tower (ex-Hotel São Francisco), cujo prédio pertence ao Opportunity Fundo de Investimento Imobiliário, é o maior hotel com pedido de licença: são previstos um pavimento comercial e 17 residenciais — com 216 unidades —, além de cobertura, onde hoje fica a piscina dos hóspedes. Para o Hotel Castelo, são previstas 45 unidades, distribuídas em cinco andares. A proposta também é de caráter misto, com um pavimento comercial.



Fonte: Extra.