O desenvolvimento urbano das cidades brasileiras convive, desde a década de 1970, com empreendimentos imobiliários "fechados", tais como condomínios horizontais e loteamentos de acesso restrito à população não residente. A despeito de ser um produto imobiliário desejado por parcela significativa da população, especialmente nas classes A e B, tais modalidades de empreendimento se desenvolveram mesmo antes do advento da normatização jurídica que garantiu a adequada aprovação e legalização destes, tendo sido objeto de diversas discussões no mercado imobiliário e na seara de registro de imóveis.


Nesta linha, destaca-se que muitos empreendimentos imobiliários "fechados" foram, na realidade, constituídos como loteamentos regidos pela Lei 6.766/79 e outros como condomínios horizontais de casas térreas ou assobradadas regulados pela Lei 4.591/64. O produto buscado em ambos os casos, independentemente da figura jurídica levada à registro, era o lote urbanizado em empreendimentos fechados.


Quando qualificados como loteamentos (Lei 6.766/79), operava-se o fechamento do empreendimento com a posterior concessão ou permissão, mediante ato administrativo específico do poder público municipal, do uso das vias públicas e de áreas públicas localizadas no interior dos fechamentos às associações de moradores, as quais passavam a administrar, conservar e manter tais áreas. A figura do "loteamento fechado", portanto, se configurava como uma adaptação da figura jurídica existente — loteamento regido pela Lei 6.766/79 — como resposta à demanda desse produto imobiliário.


De outro lado, quando constituídos sob a forma de condomínio horizontal de casas térreas ou assobradadas (Lei 4.591/64), dada a necessidade de vinculação de área construída à futura unidade autônoma, inúmeros empreendimentos permitiam a substituição da planta da casa padrão (unidade autônoma) decorrente da incorporação imobiliária, para posterior regularização. A figura do "condomínio fechado", neste sentido, também operava como uma adaptação do condomínio legalmente normatizado, visto que a possibilidade de substituir a planta da unidade autônoma sem qualquer área construída significava, na prática, a venda apenas do lote, para posterior regularização da área construída de acordo com a personalização de cada adquirente.


Nota-se, portanto, uma demanda considerável por empreendimentos fechados que possibilitem a aquisição apenas do lote urbanizado para posterior edificação de acordo com as próprias necessidades do adquirente. Dessa demanda nasceram as modalidades — todas elas adaptadas — de empreendimentos que atendessem essas características.


Como resposta a tal demanda e como resultado de históricas discussões, a Lei 13.465/17, por meio do seu artigo 78, instituiu a figura do loteamento de acesso controlado, com a inserção, basicamente de dois dispositivos na Lei 6.766/79 — §8º ao artigo 2º e artigo 36-A — e instituiu o condomínio de lotes por meio do artigo 58, promovendo tal inovação ao incluir uma Seção ao Capítulo VII do Título III do Código Civil, que trata do condomínio edilício, para melhor regulamentar os empreendimentos fechados. Ademais, promoveu importante equiparação com a redação inserida no §7° ao artigo 2° da Lei 6.766/79, ao dispor:


"Art. 2° (...)

(...)

§ 7° - O lote poderá ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes."


É certo que mesmo antes do advento da Lei 13.465/17 já se defendia a existência da figura do condomínio de lotes mediante a interpretação sistemática do artigo 8º da Lei de Incorporações (Lei 4.591/64) com o artigo 3º do Decreto-lei nº 271/67. Face à insegurança de tal interpretação e anterior consulta pública Processo nº 2014/141294 [1], que culminou com a aprovação do parecer pela inviabilidade e consequente exclusão do regramento dos chamados "condomínio de lotes" e a supressão dos itens 222.2 e 229, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, a Lei 13.465/2017 deu maior clareza à plausibilidade jurídica dessa figura.


Todavia, mesmo diante da normatização, o novo instituto deve ser concebido como figura "híbrida" do ponto de vista da disciplina jurídica aplicável, sendo inevitável considerar tanto as regras da Lei 4.591/64 quanto, suplementarmente, da Lei 6.766/79.


Nesta linha, destaca-se que a normatização do condomínio de lotes a partir da Lei 13.465/17 não afastou, na prática, a coordenação de legislações diversas para fins de delimitação do regramento aplicável. Os caminhos possíveis a tal disciplina, entretanto, apresentam necessidades de adaptações, seja do ponto de vista jurídico, quanto urbanístico, tributário e registral, como veremos ao explorarmos os seguintes temas:


1) A problemática da integração dos empreendimentos fechados à cidade

2) A concessão de uso do privado ao poder público como instrumento de conectividade de áreas condominiais aos usos públicos e comunitários

3) Legislação federal aplicável e necessidade de previsão legislativa municipal

4) Aspectos tributários, registrais e a imprescindibilidade da escritura pública


Conclui-se, portanto, à partir desses estudos que para a aprovação de condomínios de lotes, desde que previstos em legislação municipal, com amparo no artigo 1.358-A do Código Civil, combinado com o § 4º do artigo 4º da Lei 6.766/79 e artigo 7º e seus parágrafos do Decreto-lei 271/67, bem como com o inciso XII do artigo 1.225 do Código Civil, poderão ser impostos, pelo poder público, direito real de uso e limitações administrativas sobre partes certas e determinadas da gleba ou lote onde será erigido o condomínio.


Tal medida é necessária para atendimento de requisitos urbanísticos decorrentes da integração do referido condomínio de lotes à malha viária existente ou projetada (prolongamentos ou alargamentos), preservação da paisagem ou de áreas verdes de interesse público, bem como para a instalação de equipamentos públicos comunitários e de lazer.


O ônus em favor do poder público municipal deverá ser constituído por meio de escritura pública, de maneira gratuita e por tempo indeterminado, fazendo constar a declaração da finalidade de utilização de cada porção.


O município responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários incidentes sobre as partes do terreno que forem concedidas.


O título público constitutivo de direito real de uso sobre as partes de interesse público deverá ser registrado na matrícula da área total do condomínio previamente ao registro da incorporação imobiliária ou da instituição do condomínio, de modo a gravar as partes condominiais com esse ônus, sejam as áreas de uso comum ou privativo, de acordo com suas localizações definidas no ato da constituição.


O registro do ato constitutivo do direito real de uso em favor do município se perfectibilizará com fundamento no artigo 167, inciso I, item 40 da Lei 6.015/73, combinado com o item 11, alínea "a", nº 38 e item 54.4, ambos do Capítulo XX, Seção II do Provimento da CGJ n° 58/89. O registro da incorporação imobiliária e da instituição e especificação do condomínio se dará com base na Lei 4.591/64 observadas, também, as demais instruções normativas aplicáveis.


Por fim, cabe destacar a complexidade legislativa que vivemos e a ausência de pragmatismo e objetividade das soluções jurídicas, por vezes, nos deparamos uma série de atos proformas, que o resultado é o mesmo caso escolhido uma alternativa mais operável — baldrame fundamental do CC de 2002 —, assim, diante do pluralismo pós-moderno, com inúmeras fontes legais — lei em sentido estrito e normas administrativas —, surge a necessidade de coordenação entre as leis que fazem parte do mesmo ordenamento jurídico.


Ao explicar o diálogo das fontes, preleciona Claudia Lima Marques que "a bela expressão de Erik Jayme, hoje consagrada no Brasil, alerta-nos de que os tempos pós-modernos não mais permitem um tipo de clareza única ou uma espécie de monossolução.

A solução sistemática pós-moderna, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica legal, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo.

Assim deve ser mais fluida, mais flexível, tratar diferentemente os diferentes — ética aristotélica —, a permitir maior mobilidade e fineza de distinção.

Nestes tempos, a superação de paradigmas é substituída pela convivência dos paradigmas", perscrutando um acesso à justiça de forma mais ágil. Para Claudia Lima Marques, há um diálogo diante de influências recíprocas, com a possibilidade de aplicação concomitante de duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, de forma complementar ou subsidiária.


Ou seja, o diálogo das fontes é uma busca de estruturar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. Trata-se da denominada "coerência derivada ou restaurada" que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a "antinomia", a "incompatibilidade" ou a "não coerência de sua aplicabilidade em uma interpretação legalista e com limites restritos, sem perscrutar o vetor axiológico dos direitos fundamentais inerentes aos direitos urbanísticos e registrais".



Fonte: ConJur.